10 de dez. de 2007

Natal triste



Desajustado dentro da atualidade passeei rapidamente pela feirinha do Parque Teófilo Dantas somente para receber a impressão do que ia na alma do povo neste Natal de 1948.

Mais tristeza, mais desconsolo do que alegria. Somente as crianças e os namorados davam expansão aos seus sentimentos que a idade e a situação não podem recalcar.

Os homens a quem as responsabilidades adquiridas com os cabelos. brancos e os encargos encheram de preocupações de ordem moral e econômica percorriam as alamedas do Parque iluminado como desconfiados fugitivos ou pássaros acossados pela tempestade em perspectiva. Não podiam esconder a atribulação e o desalento que lhes iam no interior. Qualquer coisa de misterioso se lhes estampava nas fisionomias abatidas.

O homem da rua e dos campos, que se esgota no trabalho de sol a sol, sem a proteção que a outros é outorgada com o mínimo de prodigalidade oriunda da abastança, passou o Natal com a alma torturada pelo espectro da miséria que lhe vem rondando o lar.

Em qualquer lugar que se penetre, hoje, ouvem-se, num crescendo atordoante, as queixas dos vencidos, em maioria, pela situação calamitosa em que se encontram, sem trabalho remunerado de acordo com as exigências do estômago, tendo, ainda, diante dos olhos espantados, a perspectiva de futuro mais negro e desolador do que o presente.

As injustiças sociais, o abandono criminoso, a falta de eqüidade, a sonegação da terra para o amanho, a prepotência como arma para a implantação de exóticas ideologias liberticidas, a mentira e o egoísmo prostituindo o conceito legítimo da Democracia, levaram o homem atual, a quem negam a solução dos seus problemas capitais, ao descoroçoamento e à miséria.

A vida para o homem pobre, esmagado por insignificante minoria poderosa, tomou-se um martírio comparável àqueles que não poderiam escapar à pena de Tolstoi e Dostoiewsky.

Nas capitais, nos subúrbios, nas cidades do interior, o espetáculo da mendicância é apavorante. Esmolam muitos não por doença mas por falta de trabalho o homem do campo foi enxotado da roça em que mourejava de manhã à noite porque o dono da terra, do vasto latifúndio, suserano absoluto e implacável, precisou alargar a superfície das pastagens ou não conseguiu saciar a besta da volúpia na pureza virginal da fIlha honesta do rendeiro.

Alguns pobres lavradores, com tratos de terra de apreciável uberdade, não contaram com o auxílio necessário no sentido de ará-los e melhorar a sementeira.

Os propósitos do governo, que dispõe das verbas próprias para o fomento necessário, têm as suas preferências que não atingem a coletividade agrária.

Daí, como se vê, à falta de estímulo e proteção - a deserção do camponês para a ilusão de outras terras ou a busca de centros urbanos, muitas vezes com família numerosa, onde mais difícil se lhe torna a situação pelo desencontro profIssional.

Cresce, por isso mesmo, pela superpopulação urbana, inábil, o número de desocupados, de falsos mendigos, de ladrões primários e engrossam as fileiras do meretrício que é a conseqüência da fome de mãos dadas à vaidade estimulada pelos rufIões de olho vivo a serviço de frascários endinheirados.

O Natal de 1948 foi de tristezas e apreensões. O Parque Teófilo Dantas quase deserto. O dinheiro foi escasso para a maioria. Muito lar não viu o costumeiro bolo de Natal.

Os pais humildes, tantos funcionários do Estado, privando-se de um pão à mesa, levaram os filhinhos — estes na inconsciência feliz das necessidades do lar onde mora hoje a melancolia - para um simples giro de carrossel.

Moças pobres, de fábricas e de escritórios, ainda mostravam os últimos feitiços da beleza extenuada, exibindo lindos vestidos comprados a prestações, enquanto o patrão, enriquecendo com o câmbio negro, talvez se banqueteasse, no lar festivo, atraindo mancebos maneirosos com a promessa de dotes opulentos.

E lá fora, na Ásia, na Europa e em qualquer parte da América, talvez se processe neste instante nova conflagração para aniquilar o Mundo.

(Correio de Aracaju - 29/12/48)

Zozimo Lima

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